Velhice. Chega normalmente sem ser convidada e instala-se devagarinho. Nao damos por ela, nao vemos os seus sintomas, tratamo-la como um virus ao qual somos imunes. Passados uns anos vamos vendo, aqui e ali, os primeiros sinais da sua presenca, as primeiras marcas do avancar do tempo. Cada traco conta uma história, cada cabelo branco relembra um momento duro, cada ruga traz à lembranca que nao somos imortais e que o tempo tambem já passou por nós. Nao ligamos, nao fazemos caso, tentamos provar a nos mesmos que ainda é cedo para se pensar nisso. E assim continuamos em frente.
Depois vêm os dias em que o físico deixa, aos poucos, de acompanhar a mente. Em que nos rendemos às evidencias de que ja nao podemos subir umas escadas sem perder o folego, de que nao podemos estar muito tempo de pé sem que os rins comecem a doer, ou simplesmente de que já nao conseguimos fazer algo tao simples como abotoar uma camisa. Mas nao damos parte de fracos. Fazemos ginastica, tomamos vitaminas, fazemos tratamentos de rejuvenescimento, tudo com o objectivo de retardar o natural percurso do passar do tempo. Resistimos com todas as forcas. Provamos a nos mesmos que nao é verdade. Arranjamos factos que nos garantam que ainda "estamos aqui para as curvas". E assim continuamos em frente.
E por fim, vem o tempo em que nos tornamos um resto do que fomos. Uma chama timida duma vela que ardeu quase por completo. Em que nos consciencializamos de que o fim esta proximo, e em que vivemos um dia de cada vez à espera do inevitavel. Em que nos deitamos cada noite apenas a esperar levantarmo-nos na manha seguinte. Em que nos tornamos, uma vez mais dependentes do cuidado dos outros... como se voltassemos a ser criancas, dentro de um corpo que usámos e que agora se vira contra nós... O tempo em que finalmente aceitamos que já nao ha como continuar em frente...
Admito que esta talvez seja uma visao pessimista deste assunto. Sei também que ha quem diga e pense que a idade está na mente! Que só é velho quem quer! Que a idade está "cá dentro", onde quer que isso seja! Que enquanto nos mantivermos activos seremos sempre capazes de afastar esse fantasma que é a morte. Sim, talvez. Mas a realidade que me rodeia mostra-me que isso sao mais frases feitas arranjadas para nos iludir e desviar a atencao do que outra coisa qualquer. E nao pensem que me assusta envelhecer. Nada disso. Acho algo normal e aceito-o sem qualquer tipo de preocupacao. E estou convicto de que envelhecer nao tem que ser algo triste e sombrio... Assusta-me sim o que nos tornamos quando deixamos de poder absorver o que nos rodeia ou de nos relacionarmos com que esta ao nosso lado. Assusta-me acordar um dia preso dentro de um corpo que insiste em resistir quando a mente partiu há muito. Assusta-me ficar com o olhar vago e distante, preso num tempo que só existe dentro de mim, numa realidade em que só eu sobrevivo...
E, acima de tudo, assusta-me o nao conseguir fazer uso das memorias e recordacoes que definiram a minha vida. Sem isso, o passar do tempo torna-se... inútil!
1 comentário:
Mais um grande post :-)
Como gosto de te ler!!!
Beijos grandes da Anónima menos Anónima que conheces :-)
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